Cientistas descobrem circuito cerebral que aprisiona usuários de álcool no ciclo vicioso da dependência

O que leva alguém a continuar consumindo álcool, mesmo que isso prejudique sua saúde, relacionamentos e bem-estar? Um novo estudo da Scripps Research oferece uma pista importante: uma pequena região do cérebro, localizada na linha média, desempenha um papel crucial em como os animais aprendem a continuar bebendo para evitar o estresse e a miséria da abstinência.
Em um novo estudo, publicado na Biological Psychiatry: Global Open Science em 5 de agosto de 2025, a equipe da Scripps Research focou um conjunto de células cerebrais no núcleo paraventricular do tálamo (PVT) em ratos. Eles descobriram que essa região se torna mais ativa, impulsionando comportamentos de recaída fortes, quando os ratos aprendem a associar estímulos ambientais ao alívio dos sintomas de abstinência proporcionado pelo álcool. Ao iluminar essa via cerebral, a pesquisa lança luz sobre uma das características mais obstinadas da dependência — beber não por prazer, mas para escapar da dor — e pode eventualmente levar a novos tratamentos para desordens de uso de substâncias (DUS), bem como para outros comportamentos inadequados, incluindo ansiedade.
“O que torna a dependência tão difícil de superar é que as pessoas não estão apenas em busca de uma sensação agradável,” diz Friedbert Weiss, professor de neurociência na Scripps Research e autor sênior do estudo. “Elas também estão tentando se livrar de estados negativos poderosos, como o estresse e a ansiedade da abstinência. Este trabalho nos mostra quais sistemas cerebrais são responsáveis por consolidar esse tipo de aprendizado e por que isso pode tornar a recaída tão persistente.”
“Essa região do cérebro se acendeu em todos os ratos que passaram pela experiência de aprendizado relacionada à abstinência,” diz a coautora Hermina Nedelescu da Scripps Research. “Isso nos mostra quais circuitos são ativados quando o cérebro associa o álcool ao alívio do estresse — e isso pode ser um divisor de águas na nossa maneira de pensar sobre recaídas.”
Da comportamental aos mapas cerebrais
Estima-se que 14,5 milhões de pessoas nos Estados Unidos tenham transtorno por uso de álcool, que abrange uma gama de comportamentos de consumo de bebida insalubres. Assim como outras dependências de drogas, a dependência do álcool é caracterizada por ciclos de abstinência, abstinência e recaída.
Em 2022, Weiss e Nedelescu usaram ratos para estudar os tipos de aprendizado que ocorrem no cérebro durante todo esse ciclo. Quando os ratos começam a beber, eles aprendem a associar prazer com álcool e a buscar mais. No entanto, esse condicionamento se torna muito mais forte durante múltiplos ciclos de abstinência e recaída. Depois de aprender que o álcool alivia as sensações desagradáveis da abstinência — o que os cientistas chamam de reforço negativo ou alívio de um ‘estado hedônico negativo’ — os animais procuraram mais álcool e continuaram persistentes, mesmo quando estavam desconfortáveis.
“Quando os ratos aprendem a associar estímulos ambientais ou contextos com a experiência de alívio, eles acabam desenvolvendo uma urgência incrivelmente poderosa para buscar álcool na presença desses estímulos – mesmo quando condições são introduzidas que exigem grande esforço para se engajar na busca pelo álcool,” diz Weiss. “Ou seja, esses ratos buscam álcool mesmo que esse comportamento seja punido.”
No novo trabalho, a equipe queria determinar exatamente quais redes de células no cérebro eram responsáveis por aprender a associar pistas ambientais ao alívio desse estado hedônico negativo.
Os pesquisadores usaram ferramentas de imagem avançadas para escanear cérebros de ratos inteiros, célula por célula, e localizar áreas que se tornaram mais ativas em resposta a pistas relacionadas ao álcool. Eles compararam quatro grupos de ratos: aqueles que passaram pela abstinência e aprenderam que o álcool alivia um estado hedônico negativo, e três grupos de controle diferentes que não passaram por isso.
Embora várias áreas do cérebro mostraram atividade aumentada nos ratos que aprenderam com a abstinência, uma se destacou: o PVT, que é conhecido por seu papel no estresse e na ansiedade.
“Em retrospectiva, isso faz muito sentido,” diz Nedelescu. “Os efeitos desagradáveis da abstinência do álcool estão fortemente associados ao estresse, e o álcool está proporcionando alívio da agonia desse estado estressante.”
Os pesquisadores hipotetizam que esse estado hedônico negativo, e a ativação do PVT no cérebro em resposta, é crítico para como o cérebro aprende e perpetua a dependência.
Uma melhor compreensão da dependência
As implicações do novo estudo vão além do álcool, dizem os pesquisadores. Estímulos ambientais condicionados a reforço negativo — a vontade de agir para escapar da dor ou do estresse — é uma característica universal do cérebro e pode impulsionar o comportamento humano além de desordens de uso de substâncias, como desordens de ansiedade, condicionamento ao medo e aprendizado de evitação traumática.
“Este trabalho tem potenciais aplicações não apenas para a dependência de álcool, mas também para outras desordens em que as pessoas ficam presas em ciclos prejudiciais,” diz Nedelescu.
Pesquisas futuras vão se aprofundar ainda mais. Nedelescu e seus colegas na Scripps Research querem expandir o estudo para fêmeas e estudar neuroquímicos liberados no PVT quando os sujeitos encontram ambientes associados à experiência desse alívio de um estado hedônico negativo. Se puderem identificar moléculas envolvidas, isso poderia abrir novas avenidas para o desenvolvimento de medicamentos, visando essas moléculas.
Por enquanto, o novo estudo ressalta uma mudança importante em como os cientistas básicos pensam sobre dependência.
“Como psicólogos, sabemos há muito tempo que a dependência não se trata apenas de buscar prazer — é sobre escapar desses estados hedônicos negativos,” afirma Weiss. “Este estudo nos mostra onde no cérebro esse aprendizado se enraíza, o que é um avanço.”
Além de Weiss e Nedelescu, os autores do estudo, “Recrutamento de Populações Neurais no Tálamo Paraventricular de Ratos em Busca de Álcool com Experiência de Aprendizado Relacionada à Abstinência,” são Elias Meamari, Nami Rajaei, Alexus Grey, Ryan Bullard e Nobuyoshi Suto da Scripps; e Nathan O’Connor da MBF Bioscience.
Este trabalho foi apoiado por financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde (Ruth L. Kirschstein Institutional National Research Service Award T32AA007456, K01 DA054449, R01 AA027555 e R01 AA023183).