O reconhecimento da nação palestina

Nenhum Estado, um Estado ou dois Estados? Mandato internacional, país multirreligioso único ou fronteiras bem definidas e respeitadas entre palestinianos e judeus? Esse é o trilema, aparentemente sem solução, que há mais de um século permeia a história da Terra Santa. Em um mundo pós-colonial, onde a ideia de mandatos ocidentais “civilizadores” sobre regiões distantes já se esgotou, e ficou comprovada a inviabilidade de estabelecer um único país multiétnico e multirreligioso após oitenta anos de conflitos e ódios, a alternativa dos dois Estados – um judeu e um palestiniano – se reafirma como a mais fiel ao espírito do Plano de Partição da ONU de 1947.
Israel existe desde 1948 e, exceto em momentos de conflito aberto, como o atual, o governo de Tel Aviv nunca se opôs a essa solução. Em contrapartida, muitos países árabes, durante décadas, ignoraram Israel e rejeitaram a criação de um Estado palestiniano. Além disso, os próprios palestinianos estão tragicamente divididos desde que o Hamas assumiu o controle da faixa de Gaza em 2005-06, criando uma dicotomia entre um movimento terrorista e uma Autoridade Nacional da Palestina ineficaz, que é mais moderada, mas está restrita à Cisjordânia e sem canais de diálogo com o Hamas.
O dia 7 de outubro de 2023, marcado pela crise dos reféns e pela guerra entre Israel e o Hamas, reativou o debate sobre a situação. No contexto da Assembleia Geral da ONU que acontece este mês em Nova Iorque, é provável que partes da comunidade internacional avancem com o reconhecimento de um Estado Palestiniano. Esse reconhecimento, que sinaliza um distanciamento crítico em relação a Israel, é, em muitos aspectos, voluntarista e contraproducente neste momento da história do Médio Oriente, uma vez que, embora a solução dos dois Estados seja urgente e necessária, hoje ela parece mais impossível e arriscada do que nunca.
O reconhecimento internacional de um território e uma comunidade como Estado implica a existência de fronteiras, instituições, um regime político legitimado, coesão nacional e aceitação da legalidade internacional. Nenhuma dessas condições existe entre os palestinianos. É ilusão pensar que o ato de reconhecimento, por si só, causará a reconciliação entre a Fatah (ANP) e o Hamas, e ainda mais fantasmagórico imaginar que, ao ser elevado à dignidade de interlocutor estatal, o Hamas renunciará ao terrorismo, que está intrinsecamente ligado à sua estrutura. É verdade que um eventual reconhecimento poderia vir com a condição da libertação dos reféns judeus capturados durante a atrocidade de outubro de 2023. No entanto, o Hamas, que oprime a população de Gaza há duas décadas – após a retirada de Israel, que abriu uma chance para os dois Estados – e expulsou a Fatah durante uma guerra civil, nunca se preocupou em construir uma vida social, econômica e política que promovesse liberdade e bem-estar compatíveis com as responsabilidades de um Estado.
As incertezas não param por aí. O que representa o Estado Palestiniano? Será governado pelo Hamas ou pela ANP? Quais serão suas fronteiras? É viável reconhecer um Estado (a Palestina) que nunca reconheceu o direito de Israel a existir? Isso não seria uma concessão indevida ao Hamas em detrimento da Fatah, que é mais moderada e disposta ao diálogo com a comunidade internacional? Acima de tudo, podemos confiar que aqueles que desejam exterminar a “entidade sionista” – o Hamas, o Hezbollah e outros grupos jihadistas, aliados do Irã – farão uma conversão rumo à paz e ao diálogo? Tenho sérias reservas e uma única certeza: a solução dos dois Estados continua sendo a mais viável; porém, a pressa voluntarista é inimiga da prudência diplomática e resultará em uma “recompensa” injusta para quem nunca a mereceu.